Ainda sobre a Super-Tuesday...
Ainda a propósito da Super-Tuesday, aqui transcrevo o artigo hoje publicado por Teresa de Sousa no jornal Público:
«1. Há pouco mais de um mês, o senador do Arizona John McCain, com os seus 71 anos de idade, era dado como politicamente morto. Em contrapartida, Rudolf Giuliani, o antigo mayor de Nova Iorque, o herói do 11 de Setembro, era considerado como o virtual vencedor das primárias do campo republicano. Em comum tinham o facto de representarem o sector moderado do Partido Republicano. Em pano de fundo, a corrida à nomeação parecia revelar todos os sinais de um partido em convulsão, sem saber exactamente o que fazer, depois do duplo mandato de George W. Bush com o seu legado de caos no Iraque, de recessão económica, de perda de influência mundial.
Hoje, contados os votos e os delegados da Superterça-Feira, o velho McCain, herói do Vietname, parece que já não tem nada à sua frente para vencer a convenção republicana. O favorito abandonou a corrida. Os outros dois candidatos a candidatos, Mitt Romney e Mike Huckabee, ainda podem dar alguma luta. Mas não mais do que isso.
Explicação para a reviravolta? O carácter ou a política? Ambas as coisas. McCain encarna o herói americano, mas demarca-se de Bush e da aliança conservadora que o apoiou. É o republicano atípico. Que inspirou o "surge" (que está a resultar), que não aceita a derrota no Iraque, mas que tem uma visão realista da política externa americana, que promete fechar Guantánamo, que denuncia a tortura e que aponta aos imigrantes ilegais um caminho para a cidadania.
2. McCain tem uma aparente vantagem a partir de agora. Está em condições de pacificar as hostes republicanas e começar a olhar para os seus potenciais adversários democratas. É verdade que é odiado em muitos sectores conservadores, mas mesmo esses percebem que se trata agora de controlar os danos, o maior dos quais seria uma vitória democrata em Novembro.
William Kristol, o teórico dos "neocons", escrevia há dois dias no International Herald Tribune que, se ele é a única possibilidade de impedir uma vitória democrata, então que seja ele. A razão maior é naturalmente o Iraque. Mas a mais importante talvez seja a consciência de que uma vitória de Hillary ou de Obama pode significar o fim de uma era, aberta com Reagan, em que a influência ideológica dos conservadores dominou a política norte-americana quase sem interrupção. Temem Obama, porque acham que seria o caminho mais rápido para a "derrota" no Iraque. Odeiam Hillary, porque sobreviveu ao "assassínio de carácter" que orquestraram contra o marido e porque representa (talvez ainda mais) o mesmo que ele representou - apesar de ser um "filho" de Reagan, era o símbolo dos anos 60 e da geração que eles acham que derrotou a América no Vietname.
3. Do lado democrata também foi preciso esperar que o guião inicialmente previsto fosse subvertido para se ter a real dimensão da mudança que abala a América. Há um mês, Barack Obama já era olhado com uma enorme atenção. A novidade do seu discurso, a sua juventude, a forma como parecia encarnar o lado mais luminoso da própria ideia de América, a sua capacidade de comunicar a esperança e de fazer acreditar nela já apontavam para um "fenómeno". Mas um "fenómeno" ainda à espera do seu momento. No futuro. A senadora de Nova Iorque parecia a candidata imbatível. Capaz, inteligente, experiente, meticulosa, forte. Quase perfeita.
Hoje, nem a sua vitória na Califórnia e em Nova Iorque lhe conseguem garantir a nomeação. Obama soma e segue. Hillary vai resistindo à vaga, mas sem a conseguir travar.
É este o dilema que os democratas ainda não resolveram: saltar já para o futuro, ou preferir uma transição serena nas mãos experientes de Clinton. A resposta pode estar em quem vota em quem. Obama recebeu a bênção dos Kennedy. A imprensa incensa-o. A juventude segue-o. Mas, como escrevia o enviado da Spiegel, tem um "inimigo" que ainda não conseguiu "vencer": a classe média. "Obama ganhou sobretudo nos votantes com rendimentos superiores a 150 mil dólares. Clinton ganhou entre a gente com menos de 50 mil. Os académicos votaram nele. Os trabalhadores nela. Ele inspira os jovens, ela os mais velhos." Ela mobiliza o voto das mulheres e dos hispânicos. Ele representa um voto pós-racial. Fácil de perceber por que é que vai ser renhido até ao fim.
O risco é tornar-se um combate destrutivo. A oportunidade é continuar a manter a atenção sobre os democratas e a ruptura simbólica que a todos os títulos eles representam. Um negro ou uma mulher na Casa Branca para regenerar a América. De qualquer modo, a lógica das coisas está do lado dos democratas. Provavelmente ainda mais, se a economia substituir o Iraque no topo das preocupações dos americanos.»
«1. Há pouco mais de um mês, o senador do Arizona John McCain, com os seus 71 anos de idade, era dado como politicamente morto. Em contrapartida, Rudolf Giuliani, o antigo mayor de Nova Iorque, o herói do 11 de Setembro, era considerado como o virtual vencedor das primárias do campo republicano. Em comum tinham o facto de representarem o sector moderado do Partido Republicano. Em pano de fundo, a corrida à nomeação parecia revelar todos os sinais de um partido em convulsão, sem saber exactamente o que fazer, depois do duplo mandato de George W. Bush com o seu legado de caos no Iraque, de recessão económica, de perda de influência mundial.
Hoje, contados os votos e os delegados da Superterça-Feira, o velho McCain, herói do Vietname, parece que já não tem nada à sua frente para vencer a convenção republicana. O favorito abandonou a corrida. Os outros dois candidatos a candidatos, Mitt Romney e Mike Huckabee, ainda podem dar alguma luta. Mas não mais do que isso.
Explicação para a reviravolta? O carácter ou a política? Ambas as coisas. McCain encarna o herói americano, mas demarca-se de Bush e da aliança conservadora que o apoiou. É o republicano atípico. Que inspirou o "surge" (que está a resultar), que não aceita a derrota no Iraque, mas que tem uma visão realista da política externa americana, que promete fechar Guantánamo, que denuncia a tortura e que aponta aos imigrantes ilegais um caminho para a cidadania.
2. McCain tem uma aparente vantagem a partir de agora. Está em condições de pacificar as hostes republicanas e começar a olhar para os seus potenciais adversários democratas. É verdade que é odiado em muitos sectores conservadores, mas mesmo esses percebem que se trata agora de controlar os danos, o maior dos quais seria uma vitória democrata em Novembro.
William Kristol, o teórico dos "neocons", escrevia há dois dias no International Herald Tribune que, se ele é a única possibilidade de impedir uma vitória democrata, então que seja ele. A razão maior é naturalmente o Iraque. Mas a mais importante talvez seja a consciência de que uma vitória de Hillary ou de Obama pode significar o fim de uma era, aberta com Reagan, em que a influência ideológica dos conservadores dominou a política norte-americana quase sem interrupção. Temem Obama, porque acham que seria o caminho mais rápido para a "derrota" no Iraque. Odeiam Hillary, porque sobreviveu ao "assassínio de carácter" que orquestraram contra o marido e porque representa (talvez ainda mais) o mesmo que ele representou - apesar de ser um "filho" de Reagan, era o símbolo dos anos 60 e da geração que eles acham que derrotou a América no Vietname.
3. Do lado democrata também foi preciso esperar que o guião inicialmente previsto fosse subvertido para se ter a real dimensão da mudança que abala a América. Há um mês, Barack Obama já era olhado com uma enorme atenção. A novidade do seu discurso, a sua juventude, a forma como parecia encarnar o lado mais luminoso da própria ideia de América, a sua capacidade de comunicar a esperança e de fazer acreditar nela já apontavam para um "fenómeno". Mas um "fenómeno" ainda à espera do seu momento. No futuro. A senadora de Nova Iorque parecia a candidata imbatível. Capaz, inteligente, experiente, meticulosa, forte. Quase perfeita.
Hoje, nem a sua vitória na Califórnia e em Nova Iorque lhe conseguem garantir a nomeação. Obama soma e segue. Hillary vai resistindo à vaga, mas sem a conseguir travar.
É este o dilema que os democratas ainda não resolveram: saltar já para o futuro, ou preferir uma transição serena nas mãos experientes de Clinton. A resposta pode estar em quem vota em quem. Obama recebeu a bênção dos Kennedy. A imprensa incensa-o. A juventude segue-o. Mas, como escrevia o enviado da Spiegel, tem um "inimigo" que ainda não conseguiu "vencer": a classe média. "Obama ganhou sobretudo nos votantes com rendimentos superiores a 150 mil dólares. Clinton ganhou entre a gente com menos de 50 mil. Os académicos votaram nele. Os trabalhadores nela. Ele inspira os jovens, ela os mais velhos." Ela mobiliza o voto das mulheres e dos hispânicos. Ele representa um voto pós-racial. Fácil de perceber por que é que vai ser renhido até ao fim.
O risco é tornar-se um combate destrutivo. A oportunidade é continuar a manter a atenção sobre os democratas e a ruptura simbólica que a todos os títulos eles representam. Um negro ou uma mulher na Casa Branca para regenerar a América. De qualquer modo, a lógica das coisas está do lado dos democratas. Provavelmente ainda mais, se a economia substituir o Iraque no topo das preocupações dos americanos.»
Etiquetas: presidenciais EUA
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home