DISCURSO DIRECTO

10 dezembro, 2006

Excertos - XVII

“Nesse ponto, impaciente por conhecer a sua própria origem, Aureliano deu um salto. Então começou o vento, morno, incipiente, cheio de vozes do passado, de murmúrios de gerânios antigos, de suspiros de desenganos anteriores às nostalgias mais perseverantes. Não reparou nele, porque naquele momento estava a descobrir os primeiros indícios do seu ser num avô concupiscente que se deixava arrastar pela frivolidade através de um páramo alucinado, em busca de uma mulher lindíssima a quem não faria feliz. Aureliano reconheceu-o, perseguiu os caminhos ocultos da sua descendência, e encontrou o instante da sua própria concepção entre lacraus e as borboletas amarelas de uma casa de banho crespuscular, onde um mesteiral saciava a sua luxúria com uma mulher que se lhe entregava por rebeldia. Estava tão absorto que também não sentiu a segunda arremetida do vento, cuja potência ciclónica arrancou das dobradiças as portas e as janelas, destruiu pela raiz o tecto da galeria oriental e desarraigou os alicerces. Só então descobriu que Amaranta Úrsula não era sua irmã mas sim sua tia, e que Francis Drake tinha assaltado Riohacha somente para que eles pudessem procurar-se pelos labirintos mais intrincados do sangue, até engendrarem o animal mitológico que havia de pôr termo à estirpe. Macondo já era um pavoroso remoinho de pó e escombros, centrifugado pela cólera do furacão bíblico, quando Aureliano saltou onze páginas para não perder tempo com factos demasiado conhecidos, e começou a decifrar o instante que estava a viver, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si próprio no acto de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse a ver-se num espelho falado. Então deu outro salto para se antecipar às predições e ver a data e as circunstâncias da sua morte. No entanto, antes de chegar ao verso final, já tinha percebido que não sairia nunca desse quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no momento em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo o que neles estava escrito era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra.”


Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez


 
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