DISCURSO DIRECTO

03 agosto, 2006

Excertos - XI

“Os grandes factos políticos do mês foram as reformas da Carta (plural melancólico):
A reforma da instrução pública;
A reforma da administração;
A reforma das comarcas…
Estas formidáveis iniciativas parece que deviam ser acompanhadas pelas Farpas com comentários condignos.
Mas, para quê? Todas estas imensas reformas, lançadas triunfantemente a grande ruído de tambor e retórica, durarão, como a rosa de Malherbe – o espaço de uma manhã! Que necessidade há pois de encaixilhar na nossa crítica uma folha que vai secar? Para que entremear de notas o fumo efémero de um cachimbo? Para que erguer pedestal à estátua de neve que em breve se derreterá?
Reforma da administração, reforma da instrução, reforma da Carta, reforma da judicatura! Parece que é toda uma regeneração do País! Pois são apenas folhas de papel que palpitam um momento ao vento da contradição, e que daqui a pouco cairão miseravelmente e para sempre, a um canto escuro das repartições. Uma luva cor de palha serve para entrar num baile, apertar finas cintas na valsa, anediar o bigode ovante – e eis que ao outro dia vai no cisco, enodoada e perdida, ser o lixo da esquina! Assim as reformas políticas servem um ou dois meses para um ministério fingir que administra, iludir a Nação ingénua, imitar a iniciativa fecunda dos reformadores «lá de fora», aparentar zelo pelo bem da Pátria, justificar a sua permanência no «poder», fornecer alimento à oratória constitucional: e depois tendo feito o seu serviço, eis que as reformas vão, como todos os papéis velhos e inúteis, ser desfeitas e enrodilhadas sob as vassouras justiceiras dos senhores varredores públicos!”

As Farpas, de Eça de Queirós


 
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