DISCURSO DIRECTO

09 junho, 2006

Excertos - III

"(...) Repara: se a liberdade e a autoridade fossem duas cousas incompatíveis, nunca a liberdade poderia ser garantida pelo Estado, ser condicionada pela autoridade. Uma cousa não pode garantir, e condicionar, com aquilo que é incompatível, por isso mesmo que o nega, o destrói, o aniquila. Dizer, por um lado: «a liberdade e a autoridade são incompatíveis», e, por outro lado: «a autoridade é que garante a liberdade», é o mesmo que dizer que o gato, sendo incompatível com o rato, e matando-o, garante a vida do mesmo rato. Demais, todo o condicionamento da liberdade dum homem provém da necessidade de respeitar a dum outro; de maneira que é a liberdade que condiciona, ao cabo de contas, a autoridade. E é logicamente inevitável que seja assim, porque a autoridade nunca pode ser senão um meio; a autoridade só se justifica pelo fim que se propõe. Seria absurdo dizer a alguém: «exerço autoridade sobre ti, unicamente para exercer autoridade; e deves submeter-te a ela, só para te submeteres à minha pessoa; a minha autoridade é o seu próprio fim». Seria isso loucura, pois não é verdade? Quem exerce autoridade tem de se exprimir do seguinte modo: «exerço autoridade sobre ti, mas é tão-somente para te servir; é tão-só para o teu próprio bem, e para bem dos teus companheiros». Ora, qual é o maior bem duma pessoa, dum ser espiritual? Esse maior bem é a liberdade. A autoridade só se justifica, pois, quando é um meio para a liberdade"
Diálogos de Doutrina Democrática, de António Sérgio


 
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